O
meu nome é Helena Santos e tenho 24 anos. Helena significa luz e quem escolheu
o meu nome foi o meu pai que, desde que soube que a minha mãe estava grávida,
sempre disse que eu ia ser o brilho da vida dele.
O
meu pai chamava-se Alexandre Santos e teria agora 48 anos e a minha mãe
chama-se Clara Santos e tem 46 anos. O meu pai trabalhava como empreiteiro e a
minha mãe era secretária de um empresário.
Sempre
fui muito ligada ao meu pai. Ele era diferente. A minha mãe sempre foi muito
mais rígida e severa. Ainda hoje o é. Acho que está cada vez pior, para ser
sincera. O meu pai, pelo contrário, sempre foi o mais brincalhão, o mais
divertido. Quando eu era pequena, era sempre ele quem me encobria as asneiras e
as parvoíces. Quando era adolescente era ele quem insistia para eu sair e estar
com os meus amigos. Pela minha mãe eu nem saia de casa, mas ele convencia-a
sempre.
Há
dois anos atrás tudo teve que mudar. Tinha acabado o curso de engenharia bioquímica
há pouco tempo e lembro-me que ia com ele no carro. Acho que íamos buscar a
minha mãe ao emprego e não estávamos longe de casa. Não me lembro de como
aquilo aconteceu, só me lembro de num momento estar a rir-me com o meu pai, já
nem sei sobre o quê, e noutro momento já estarem dois bombeiros a tentar
tirar-me do carro e a dizerem algo acerca de eu estar presa e de que ia ser
complicado. Depois acho que perdi os sentidos.
Quando
acordei novamente já estava a caminho do hospital. Já devia ser tarde pois
estava escuro na rua. Desde o acidente até aquela hora deviam ter passado umas
cinco horas. Quando perguntei pelo meu pai, disseram-me para não pensar nisso e
que ele estava noutra ambulância. Eu tinha uma mascara de oxigénio na cara e
sentia dores imensas na perna direita. Desconfiei que fosse o local onde eu
tinha ficado presa. Olhei à minha volta e tentei concentrar-me em algo que me
chamasse à atenção. Estava comigo uma enfermeira que me disse que me ia colocar
soro por ordem do médico pois tinha perdido muito sangue. Ficou a tentar falar
comigo, mas eu estava cansada e preocupada. Não conseguia responder muito bem e
apenas acenava com a cabeça respostas de sim e não.
Quando
cheguei ao hospital, o médico que me examinou disse-me que ia ter de ser
operada. Nesta altura mal eu sabia que aquela não ia ser a única cirurgia que
iria fazer.
Fui
operada de urgência e quando acordei já a minha mãe estava lá ao pé. Tinha os
olhos vermelhos e inchados. Neste aspecto somos muito parecidas. Ambas temos
olhos castanhos-escuros e se chorarmos ficamos logo com eles vermelhos. Também os
nossos cabelos são parecidos. Ambos castanhos e ondulados, ainda que o dela já esteja
com alguns cabelos brancos que ela pinta para esconder. O meu também é mais
comprido, pelo meio das costas.
Quando
viu que já tinha acordado começou imediatamente a falar, a fazer todo o tipo de
perguntas, perguntas às quais eu não conseguia responder, não me conseguia
lembrar.
Quando
perguntei pelo meu pai, não esperava obter aquela resposta. A minha mãe
recomeça a chorar e diz-me o que eu não queria ouvir. O meu pai, aquele que
sempre me apoiou, com quem eu brincava, o meu confidente, estava morto, tinha
tido morte imediata quando batemos naquela árvore. Nesse momento lembrei-me de
quando íamos no carro, algo se atravessar à frente do carro e nós irmos contra
uma árvore. Quando soube desta notícia entrei em negação, não conseguia
acreditar que o meu pai estava morto e que nunca mais o ia ver, nem falar com
ele, nem rir-me com ele. É disso que sinto mais falta. Das brincadeiras, do
riso.
Ao
longo dos dias fui-me apercebendo cada vez mais da realidade. Fui encarando e
aceitando a verdade. Quando sai do hospital, comecei a ser acompanhada por uma Psicóloga
que me tem ajudado muito ao longo destes dois anos. Também já fui operada mais
3 vezes. Quando fiquei presa, para além de ter partido a tíbia, ainda perdi
grande parte do músculo e por isso tenho andado a fazer tratamentos e fisioterapia.
Actualmente vivo em Leião que fica em Paço d’Arcos mas eu vivia em Évora.
Mudamo-nos
para cá para estar mais perto do hospital onde sou acompanhada que fica em
Alcoitão.
Com
isto, tive de deixar os meus amigos, estudei em Évora mas aqui não conheço
ninguém e desde o acidente que a minha mãe se tornou ainda mais possessiva em
relação a mim, nem me deixa ir ao jardim perto de casa.
Para
me proteger acaba por me magoar ainda mais, é que como se já não bastasse ter
perdido o meu pai e ter mudado de casa, ela ainda me trata como se fosse uma
criança novamente.
Quando
consigo sair sem ela dar por isso, vou até ao tal jardim. Gosto de estar junto
ao lago mas tento afastar-me de locais com muitas árvores por causa das
memórias que me trazem. Também gosto de ver as crianças a brincarem no parque
infantil. Lembram-me a minha infância.
Mas
principalmente gosto de conversar com as pessoas. Sou filha única e como cá não
conheço praticamente ninguém nunca posso desabafar. Mas às vezes lá encontro
alguém simpático que me ouve.
Nestas
escapadinhas tento sempre pôr-me o mais bonita possível. O meu pai gostava
imenso de me ver bem vestida e maquilhada, como já disse, ele era diferente.
Hoje
em dia ainda não consegui superar a morte do meu pai, continuo à procura da
felicidade que sentia com ele perto de mim e por isso costumo vestir roupa
preta mas nunca me esqueço daqueles tons claros que me dão o brilho que ele
tanto gostava. Também ando sempre com um conjunto que ele me deu, um colar, uma
pulseira e um anel de prata. Foi a prenda que recebi depois de acabar o curso.
Ainda
não me caracterizei mas tenho perto de 1,70m e peso cerca de 60Kg. A minha
pele não é muito branca nem é morena, o meu cabelo é castanho, bem como os meus
olhos, que, como já disse, são como os da minha mãe.
Quando
me vêem na rua, ninguém diz o que se passou, tento sempre parecer bem, como se
usasse uma mascara, mas quando estou sozinha tenho sempre um ar triste.
“Quem me dera voltar a
sorrir como uma criança…”
Algo
que eu e o meu pai partilhávamos era o gosto pela música e com ele havia uma
especial. É de uma banda de rock, Os Metallica e a música chama-se Nothing Else
Matters. Há uma parte dessa música muito importante para mim e que quando me
sinto em baixo costumo cantarolar.
“So Close, no matter how far
Could be much more from the heart
Forever trust in who we are
And nothing else matters”
Esta
música faz-me sempre sentir bem e ajuda-me a aumentar a minha auto-estima.
Há
uns tempos disseram-me algo que me fez pensar. Disseram-me que eu era como um
lobo, solitária mas amigável com alguns, olhar triste e vazio mas com um certo
brilho de força e atitude. Em parte, acho que até têm alguma razão…
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