terça-feira, 20 de julho de 2010

Excerto do "Diário de Meena"


"O primeiro raio de luz rompeu o céu quando saí para a descoberta de Calcutá. À saída do hotel reparei numa barraca com uma jovem mulher que tocava flauta e dançava a um ritmo sensual. Aproximei-me. A jovem indiana reparou na minha presença, mas não se sentiu incomodada e continuou o seu ritual. A melodia da música era harmónica. A flauta de madeira deixava que um som agudo e alegre pairásse.
(...)
Meena, tal como tu vem cá todos os dias. Procura a confiança e sabe que em mim a tem em todo o seu esplendor. Meena Rahman tem trinta e cinco anos. Nasceu aqui em calcutá no dia dezassete de Setembro de mil novecentos e setenta e quatro, aqui numa casa perto. Na altura ainda não havia estas construções como há agora, as casas eram mais rasteiras e pegadas umas às outras. Mihir, a mãe de Meena, era filha de Shanti, uma grande mulher, uma grande amiga da minha família. A ela devia toda a gratidão e, por isso, estive presente durante o parto que daria à luz Meena e Neela. Por ordem divina Neela não resistiu ao parto e nasceu morta. Um sofrimento pela morte daquela criança, mas Havia Meena. Meena era tão pequenina. Já com muito cabelo, escuro e de pele avermelhada, veio ao meu colo a chorar e lá, no quente dos meus braços, tomou a paz e trouxe-nos o silêncio e a paz interior. Em nome de Lakshmi, o meu Deus, rezei para que aquela criança fosse para sempre protegida. Meena era uma criança feliz. Corria pelas ruas de Calcutá, com os seus pés descalços mas fortes e cantarolava. Ah! Como ela gostava de cantarolar. Era uma criança feliz mas não sabia como crescer lhe poderia vir a ser tão duro e tão cruel.
(...)
A família de Meena também é Vaicia. São comerciantes de produtos naturais e esta prática mantém-se naquela família de geração em geração. Tal como esta prática, também outra se mantém e, desde o dia do seu nascimento que Meena foi destinada a casar perante a lei de Deus com um Homem prometido, um homem da sua Casta, visto que não é permitido que Castas se misturem.
Meena tinha 15 anos quando se casou. Lembro-me da sua cara assustada quando na véspera do casamento lhe disseram que a partir do dia seguinte tinha de se submeter a um rapaz que fazia parte das suas meras brincadeiras de criança. Patrosh tinha apenas um ano a mais que Meena. Para ele, casar-se com Meena era uma grande recompensa social. Torná-lo-ia um verdadeiro homem e teria oportunidade de investir no comércio da sua família, considerado aqui em Calcutá, um comércio humilde mas rico por ter receitas de produtos naturais jamais vistos na Índia. Depois do casamento, ainda nem um ano passado,engravidou. O corpo que estava pouco crescido e pouco formado não deixou que a gravidez chegasse ao fim e Meena abortou. A dor que preencheu o seu coração doce tornou-a impura até aos vinte e cinco anos, momento em que engravida pela segunda vez. Nasceu Mustafah. Um rapaz forte e vivo. Também ele me faz lembrar Meena. Meigo. Atencioso. E também por vezes gosta de cantarolar.
Apesar de um casamento pouco desejado, Meena foi submetendo-se às leis divinas e do seu marido. Manteve o negócio de família e, foi dedicando-se à criação do seu filho, acompanhando todo o seu crescimento. Até hoje.
(...)
O que esconde Meena? Perguntei, arriscando não obter resposta.
“Meena esconde um verdadeiro amor, verdadeiro do coração, mas amor impossivel que determinará a sua vida. Deus Brahma criou o Nascimento (o Deus Criador), a Vida (o Deus Preservador) e a Morte (o Deus Destruidor). Meena está a enfrentar a trindade divina e Shiva, a morte, responderá perante a eterna lei. Eu vedo por ela cada segundo da minha vida, mas a lei natural é mais poderosa. LAKSHMI”
Repeti: Lakshmi Meena."

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